Reforma tributária: ‘Se alguém tem que perder, que seja a União’

Ex-prefeito de Manaus, o tributarista Serafim Corrêa (PSB), avalia que a melhor fórmula para termos uma reforma tributária neutra em relação às vantagens comparativas da Zona Franca de Manaus (ZFM) é uma alíquota do Imposto Sobre Valor Agregado (IVA), que deve substituir impostos como o ISS, ICMS e o IPI, menor do que a nacional.

O economista e ex-deputado estadual avalia que a reforma deve ser aprovada pelo Congresso, e que é fundamental a participação do governo estadual, prefeitos, parlamentares, empresários, entidades representativas nesse debate. E sugere que já é hora de começar a simular o que se ganha e o que pode se perder com a mudança na tributação. “Quem detém os números é o estado, município e a União. Eles precisam começar a simular e disponibilizar isso para a sociedade”, disse Serafim na entrevista abaixo.

O que é uma reforma tributária?

O que se está tentando fazer no Brasil é uma reforma que agregue os tributos sobre o consumo. No caso temos, o imposto municipal que é o ISS, um imposto estadual que é o ICMS, o imposto federal que é o IPI e duas contribuições federais que é o PIS/Cofins. Todos os projetos vão na direção de fundir esses cinco tributos e transformar em um só, o chamado Imposto Sobre Valor Adicionado (IVA). Isso já existe na Europa e nos EUA. No entanto, tenho muitas dúvidas sobre se esse objetivo será alcançado. Primeiro, o que se quer é nobre e todos querem. Diminuir a complexidade para pagar tributo que no Brasil é muito complicado você pagar tributo por tantas obrigações acessórias que são impostas ao contribuinte. E segundo, diminuir o nível de litígio entre o estado brasileiro e os contribuintes. Para se ter uma ideia, a nível federal o litígio chega a R$ 4 trilhões. Isso é mais que um orçamento anual.

O que está em jogo com a reforma?

Os impasses começam na distribuição das tarefas e dos recursos. Porque se fosse só um tributo, ele seria arrecadado pela União e ela compartilharia com estados e municípios. Com isso, você já tem um desmonte das máquinas estatais e municipais e a própria burocracia reage não querendo desmontar. É muito difícil no Brasil tornar as coisas mais fáceis. Tem uma lei recente que diz que o único número de inscrição a nível de estado e município é o CPF do cidadão. Porém, ninguém cumpriu até agora essa lei. A lei é clara, estados e municípios têm que adotar como número de inscrição o CPF. É esse o número que vai gerar a carteira de identidade daqui para frente, mas estados e municípios não seguem. Isso é uma coisa tão simples, mas sempre há resistência a favor da complexidade.

Como a reforma pode afetar o dia a dia das pessoas?

O objetivo dito por todos é que diminua a complicação para pagar impostos no Brasil e que diminua o índice de briga e principalmente que diminua a carga tributária que no País é muito elevada, algo em torno de 34% do PIB.

É a primeira vez que uma reforma deste tipo é feita no Brasil?

Não. Em 1966, através do código tributário nacional foi feita uma grande reforma. Foi a reforma que criou o ICMS e o ISS e que era o que havia de mais moderno naquela altura. No entanto, os tempos mudaram e avançaram e agora precisamos nos modernizar. Estamos atrasados no bonde da história. Na Constituinte, ocorreram algumas pequenas mudanças, mas não foram tantas Elas mantiveram o esqueleto do código tributário nacional.

Com esse novo Congresso é possível que a reforma tributária seja aprovada?

Entendo que sim porque todos dizem estar a favor. O problema é que todo mundo tem a sua própria reforma tributária. E obviamente as coisas não andam, mas ainda acredito muito na capacidade de articulação política dos atores envolvidos como o ministro Alexandre Padilha, ministro Fernando Haddad e a ministra Simone Tebet. Entendo que esses três terão capacidade de articulação para superar caso a caso as situações para se chegar a denominador comum. Repito que haverá muita briga e litígio principalmente pelo destino final do produto da arrecadação entre União, Estados e municípios.

O senhor vê reação negativa por parte dos municípios e dos estados porque outras propostas de reforma tributária não avançaram justamente por causa das reações de estados e municípios?

Estou vendo que desta vez apenas um prefeito da capital, o Eduardo Paes do Rio de Janeiro, ergueu a sua voz em defesa de manter o ISS a fim de preservar essa receita municipal. Vejo os demais calados. Isso é preocupante. Não digo que não seja feita a reforma, mas os municípios precisam ter claro e saber fazer conta para ter noção se vão ganhar ou perder. Porque até hoje ninguém, nem o governo federal, nem os estaduais e os municipais apresentaram uma planilha simulando se ganha ou se perde. Vamos para um jogo de baralho se a gente não sabe se ganha ou perde? Não é esse o caminho. Entendo que tem que ser discutido com muita cautela e fazendo conta para saber se é vantajoso. O ideal é que todos ganhem, mas isso é impossível. Alguém vai perder e eu entendo que se alguém tem que perder, esse alguém é a União.

Então, o senhor teme que os municípios, se a reforma realmente sair, tenham dificuldades orçamentárias para bancar serviços públicos?

Não. Os municípios sempre tiveram garantia do básico para os serviços públicos da educação, saúde e assistência social. Agora, eles não têm recursos para fazer investimento. Esse tipo de atividade como fazer um viaduto, uma estrada, uma grande avenida, são necessários recursos extras sejam eles de operações de crédito ou de aporte da União ou dos estados. É isso que tem acontecido nos últimos 50 anos.

Analistas preveem que uma alíquota de 25% para o futuro imposto sobre valor agregado (IVA) sobre o consumo penaliza ainda mais os mais pobres. É isso mesmo?

Depende. Porque no que diz respeito a alimentos é previsto que tenha tributação normal, mas de posse da nota fiscal quem comprou o alimento recebe o dinheiro de volta. Essa previsão está na reforma. Os mais pobres consomem a sua renda basicamente em alimentação. Será um processo que será discutido lenta e progressivamente, conforme as coisas forem acontecendo e é claro que os setores representativos da sociedade estarão atentos para que os mais pobres não percam.

No segundo semestre, o Brasil precisa estabelecer regras mais justas entre a tributação dos ganhos do trabalho com os ganhos de capital. Essa é uma outra reforma que pode ser feita sem necessariamente mexer na Constituição. Hoje os ganhos de capital pagam zero de imposto de renda e o ganho gerado pelo trabalho paga 27,5%. Será que isso é justo. Claro que não é. Está na hora de diminuir esses 27,5% e aumentar esse valor de zero para algum valor que seja mais elevado.

Por que uma reforma tributária preocupa a Zona Franca de Manaus?

Porque o IPI e o ICMS são dois tributos que a Zona Franca tem o tratamento diferenciado em relação aos demais, principalmente o IPI. Se tudo é reunido em um único tributo e as duas propostas de reforma dizem que não haverá isenção. Significa dizer que estaríamos perdendo os incentivos fiscais. A maneira que eu vejo de superar isso é que os produtos de tudo aquilo que for destinado à Zona Franca de Manaus ou que sai daqui em direção ao restante do país tenha uma alíquota diferenciada. Por exemplo, a alíquota do que é produzida em São Paulo seria 25%, mas aquilo que fosse produzido na ZFM seria 15%. Dez pontos percentuais a menos, isso compensaria o fim do IPI e do ICMS. É esse o caminho que vejo e tenho colocado e não vi até agora nenhuma ideia melhor do que essa.

O compromisso assumido por Lula por si só é suficiente para manter as vantagens comparativas da ZFM?

O presidente Lula tem todo um histórico de assumir compromissos e cumpri-los. Não vamos esquecer que foi ele que prorrogou a Zona Franca por dez anos em 2003 e depois já no governo da presidente Dilma, a Zona Franca foi prorrogada por mais cinquenta anos. Ninguém pode ter dúvidas da palavra do presidente Lula. Agora, precisamos oferecer a ele o caminho que queremos trilhar. Isso é algo que a sociedade amazonense começa a despertar.

Vejo com bons olhos a iniciativa do governo do Estado de criar um grupo através da liderança do governador e dos secretários para discutir caminhos e soluções, mas o grupo ainda é embrionário estando começando agora. A OAB também através do presidente Jean Cleuter e do presidente da comissão de direito tributário, Hamilton Caminha, toma essa iniciativa. Portanto, vejo que vamos oferecer alternativas e tenho certeza que o presidente Lula mais uma vez honrará a sua palavra com o Amazonas.

Como o senhor avalia a postura do vice-presidente e ministro da Indústria, Geraldo Alckmin referente à ZFM? Ele mudou de opinião a respeito do modelo?

Já conversei com o vice-presidente Geraldo Alckmin mais de uma vez. É preciso entender que ele era governador do estado de São Paulo. Ele tinha que defender os interesses de São Paulo. Assim como hoje, o governador Tarcísio de Freitas defende os interesses de São Paulo. Hoje, ele é vice-presidente da República e tem a visão de Brasil. Tem a responsabilidade com o Brasil e com equilíbrio da federação.

Quem foi governador por quatro vezes de qualquer estado, mas principalmente de São Paulo, é porque tem capacidade de articulação e discernimento e competência. Ele é tudo isso e com certeza está alinhadíssimo com o presidente Lula. Isso posso garantir. E digo aos empresários que não há motivo para ter receio. Eles tinham que ter receio quando era o Paulo Guedes que em edição extraordinária numa sexta-feira à meia noite reduziu o IPI depois de ter dito que estava tudo bem com a ZFM. Aquilo sim foi uma tragédia e vi que os empresários ficaram todos caladinhos na época do Bolsonaro. Agora não dá para cobrar nada do presidente Lula e nem de Geraldo Alckmin porque eles têm palavra e honrarão os seus compromissos.

Há quem avalie que a ZFM vai sair menor do que entrou após a aprovação da reforma. Qual pode ser a nossa proposta na mesa de negociação?

A melhor maneira para termos uma reforma neutra em relação à Zona Franca é que nossa alíquota do IVA seja menor que a alíquota nacional. É aquele exemplo que eu dei aqui seria 15% e no restante do país 25%. Por exemplo, um televisor produzido em Manaus pagaria 15% de IVA vendido em Manaus e São Paulo. Enquanto um televisor produzido em outro local pagaria 25%. Teríamos 10% de competitividade. Creio que isso a grosso modo compensaria qualquer diferença menor e garantiria a arrecadação do estado. Volto a dizer que quem detém os números é o estado, município e a União. Eles precisam começar a simular e disponibilizar isso para a sociedade.

Esse é o caminho menos prejudicial para o modelo?

Esse é o caminho para empatar o jogo. Nem ganhar nem perder. Fica do jeito que está e do jeito que está, temos competitividade porque temos os incentivos. Temos dificuldades logísticas de transporte, de energia elétrica, de comunicações e capital humano. É muito mais caro produzir em Manaus do que produzir, por exemplo, em São Paulo.

Qual é o papel do empresariado e de conselhos de economia, contabilidade nessa discussão da reforma?

O empresariado tem que ser atuante e presente discutindo. As grandes empresas têm que aparecer nesta discussão. As grandes empresas beneficiárias dos incentivos precisam participar do debate diretamente. Eles estão aqui para ganhar dinheiro e é importante que eles participem. Os conselhos vão participar com ideias, propostas, mostrando caminhos e oferecendo sugestões.

A cada legislatura surge uma dificuldade para a ZFM já não estaria na hora de incentivar outras atividades na política de desenvolvimento do estado?

Tudo que vier agregar é bom. Mas é preciso dizer que qualquer atividade econômica pressupõe investimentos. Por exemplo, fala-se muito em mineração. Mineração em Autazes para ter a exploração da silvinita é preciso ter energia. Para ter energia necessária em Autazes para uma atividade de intensa necessidade é preciso puxar um sub-linhão de Tucuruí. Isso custa milhões de reais. A empresa que quer explorar se dispõe a fazer esse investimento? Ou ela quer esperar o setor público fazer esse investimento? O Brasil está estrangulado. Não tem dinheiro para novos investimentos.

Essa é uma triste realidade. Metade do nosso orçamento é voltado para pagar juros da dívida. Se o empresário que quer explorar a silvinita se dispõe a trazer esse Linhão de Itacoatiara até Autazes, vai sair. Estão colocando a culpa nos índios. A questão indígena é bem pequena. É uma ponta do terreno e tudo isso se resolve com negociação, conversa e com diálogo, participando do pressuposto que os índios já estavam aqui quando Pedro Álvares Cabral chegou aqui. Portanto, eles são os verdadeiros donos da terra e nós somos os invasores.

Só o governo do estado, sem uma ação concertada pelo governo federal e o Congresso, consegue dar o salto necessário para dar sustentabilidade à economia local?

Só através do governo federal. Foi o governo federal que fez a ZFM e é ele que vai encontrar os caminhos para solucionar. Claro que contando com a contribuição dos governos estaduais e municipais e da sociedade civil.

Fonte: acritica

Saulo Maciel

Industriário, especialista em modelos de negócios no setor e apaixonado pela Amazônia. Acompanhe nas redes sociais.

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